segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Desafio de Contos - Tema: Música e História; conto: COTIDIANO SANGRENTO - autor: Kiko Zampieri





Todo dia era o mesmo ritual, acordava às seis horas da manhã, tomava banho, escovava os dentes, recebia um beijo de hortelã da linda esposa, tomava seu café com pão caseiro e recebia um beijo da sua linda esposa. Vestia a calça jeans, uma camiseta, o par de bota surrado e no braço direito a tatuagem de dragão. Subia no coletivo, abarrotado de outros como ele, amenizado pelas palavras da sua linda esposa em suas lembranças: Te espero seis da tarde no portão. Sempre insinuante e apaixonada, esperando, realmente, no portão, linda, bem vestida, sensual, perfumada e louca de paixão. No almoço o prato limpo, uma faca, uma colher e um garfo, uma vasilha com salada e um potinho com o tempero, preparado pela sua linda esposa. Nas tardes, um lanche de pão caseiro com frios, que saboreava com o café fornecido pela empresa. No final da tarde quando dobrava a esquina da rua onde morava, lá estava ela com os braços debruçados no portão de madeira, um beijo, ainda de hortelã. Toda noite ela se agarrava à ele e só o soltava depois de alguns minutos de prazer, recebia um beijo, meio amargo misturado com suor e adormeciam. Até às seis horas da manhã. Naquele dia ao abrir o guardanapo, onde estavam o prato, a faca, a colher e o garfo, faltava o garfo. Ficou alguns minutos olhando o guardanapo aberto, o prato, a faca e a colher, faltava o garfo. Onde estava o garfo? Ela esquecera do garfo. Comeu o almoço com a colher. Queria parar de pensar no garfo, não conseguia. Às seis horas da tarde foi para casa. Sem o garfo. Todo dia, agora, era sempre igual, acordava às seis horas da manhã, uma caneca de café morno, um pão francês dormido com margarina. Vestia o macacão laranja, o tênis, agora junto do dragão, no outro braço, uma tatuagem de um olho com as pontas de um garfo atravessando-o. No almoço uma bandeja com repartições, sem o garfo.

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