A música
tocava em volume alto. Tomei mais um, de tantas dezenas, gole de cerveja. As
ideias se misturavam. “Eu não sou
cachorro não, pra viver tão humilhado” diziam os versos, e eu repetia para
mim mesmo: “não, não sou”. Eu lembrava do Antonio me dizendo: “Almir, abre o
olho”, mas eu só acreditei quando vi com meus próprios olhos.
Ela estava
linda, bem vestida, bebendo, fumando e rindo; parecia tão feliz e despreocupada
dentro do carro. Ao volante um homem desconhecido, que a olhava com desejo. “A pior coisa do mundo é amar sendo enganado”;
esses versos me rasgavam por dentro. Os olhos marejavam. Olhei para o céu e
pedi a Deus que dissesse que aquilo não era verdade. Mas era. Na semana
seguinte, à noite, tudo escuro, passei ao lado do carro, lá dentro os dois nem
me notaram, estavam se agarrando. Quase perdi a cabeça na hora, mas me contive.
Eu já tinha pensado em algo. Tinha um plano.
“Quem despreza um grande amor não merece ser
feliz, nem tampouco ser amado”, depois de ouvir esses versos, e já
decidido, eu levantei, e quase me desequilibrei. Estava bêbado. Mas não
evitaria que eu fizesse o que tinha em mente. Cheguei no estacionamento da boate
onde sabia que eles estavam. Não demorei para achar o carro do homem. Aquele
carro onde eles se esfregavam desavergonhadamente.
Menos de
cinco minutos depois e eu já estava num ponto afastado, de onde poderia ter uma
visão privilegiada. Tirei do bolso da jaqueta uma garrafa de uísque e fiquei
bebendo aos poucos, esperando.
A saída do
estacionamento dava para uma ladeira íngreme. Duas horas depois da minha
chegada, e os vi saindo da boate, agarrados, trocando carícias. Eles entraram no
carro, saíram do estacionamento e começaram a descer a estreita avenida. O
carro foi cada vez acelerando mais. Eu, bêbado, ria às gargalhadas ao imaginar
o homem pisando no freio e ele não funcionando, e os gritos aterrorizantes dela
diante da morte iminente.
Fui embora
depois de ver aquele fusca preto transformado em aço retorcido e incendiado,
com dois corpos carbonizados dentro dele e repetindo para mim mesmo: “Eu não sou cachorro, não!”.
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